Quando comecei a dar aulas eu ainda estava na faculdade e uma
professora muito querida comentou que meu amadurecimento era nítido,
pessoalmente
e profissionalmente, em sala de aula podemos aprender muito sobre visão
de
mundo e nunca imaginei o quanto a responsabilidade em ser professor ia
muito
além de conteúdo ministrado.
Eu sempre soube o quanto alguns professores
me
influenciaram diretamente nos meus gostos, fala, em meu modo de vestir
até, mas
nunca me imaginei do outro lado, tal foi minha surpresa quando uma aluna
apareceu na sala de aula com uma sapatilha igual a minha e a mãe disse
que ela
procurou em três lojas diferentes, porque queria se parecer com a “tia”
ou
quando outra aluna que sempre andava com o cabelo em uma trança
impecável apareceu
com os cachos soltos e disse que achava que era feio, mas agora achava
bonito
porque o cabelo dela, era igual ao meu.
Em sala de aula como professora
devemos
manter uma postura séria o que não significa que não podemos sentar no
chão e
brincar com nossos alunos, conversar sobre os filmes do cinema, contar
piadas. Além
de tudo e antes de tudo, eles são crianças. Quando falamos sobre
influenciar
temos em mente a conspiração do mundo e tudo o que isso implica, mas é
tão
menor que isso. Um aluno em sala de aula é diferente dos demais, gosta
mais de
brincar com as meninas, pinta flores ao invés de carros e se expressa de
forma
mais aberta que os outros, isso sempre gerou brincadeiras agressivas e
que, por
mais que ele sorrisse, passava o resto da aula encolhido no canto.
Resolvi trabalhar
com eles sobre o preconceito, uma semana inteira falando sobre isso, mas
não
era eu quem falava, era eles. Nós lemos jornais, falamos sobre a
intolerância religiosa,
sobre a violência, sobre como eles, crianças, poderiam mudar aquilo. Não
foi um
milagre e ainda hoje algumas piadas são ditas, mas se alguém de outra
sala faz
isso, os mesmos que antes não chegavam perto do meu aluno agora o
defendem. Tomam
frente, o chamam pra jogar bola mesmo que ele recuse. São pequenas
mudanças.
Um
aluno ia pra escola com o uniforme totalmente rasgado, os ombros eram
expostos
e ele não tinha condições de comprar um novo, a escola também não
possuía nenhum
que o servisse para que doássemos e assim, todos os dias, ele estava com
o
uniforme rasgado e ainda assim indo todos os dias a aula. Essa semana,
sem
falar nada, uma aluna chegou mais cedo e entregou-lhe uma sacola, eram
seis
camisas de uniforme que haviam sido de seus irmãos mais velhos, mas que
estavam
em ótimo estado. É uma coisa tão simples, mas que muda não apenas a vida
do que
estava precisando, ele que antes não gostava de ir ao recreio,
possivelmente
pelas piadas que escutava, agora vai alegre e ela, que no começo do ano
era
mais reclusa e insociável, está mais aberta, brinca.
Não sou uma
excelente
professora, mas eles me mostram o seu pior e seu melhor e acreditem,
existem
dias em que eles conhecem o meu “não tão bom assim”. Não preciso ser
professora
para falar com meus alunos sobre como serem bons, preciso apenas falar.
Primos,
amigos, vizinhos, filhos. Nós, adultos devemos falar sobre como a
intolerância e
o preconceito existem e se manifestam no mundo.
Já chorei lendo relatos
da guerra
na Síria frente a uma turma com 26 alunos pré-adolescentes que prestavam
atenção e alguns, pasmem, choraram juntos, porque eles entendem que em
algum
lugar no mundo, crianças como eles estão tendo as escolas bombardeadas e
estão
morrendo, eles entendem que é errado bater em uma pessoa apenas porque
ela não
igual a eles e quando eles demonstram isso em pequenas ações em seu dia a
dia,
meu coração se enche de orgulho de uma maneira tão plena que vale a pena
ir
dormir tarde corrigindo as provas, perder a voz ensaiando quadrilha e
estar
extremamente estressada em alguns dias porque eles simplesmente “não
calaram a
boca um segundo sequer”. Não costumo falar abertamente sobre isso, mas
ontem um
aluno chegou triste a sala de aula e logo busquei saber o porquê. De
cabeça
baixa ele contou que seu pai havia visto um trabalho em dupla que
fizemos em
sala, o qual ele fez com o colega que gosta de desenhar flores, seu pai
então
disse que ele não deveria sequer conversar com um menino que era
“bixinha”, que
ele não deveria andar com esse tipo de gente, fiquei calada olhando
enquanto
ele contava tudo e quando terminou, perguntei o que ele achava daquilo.
Ele pareceu
pensar um pouco e me olhou com os olhos cheios de lágrimas. “Tia, eu
gosto dele
e pra mim ele é normal, igual a mim. Ele é meu amigo, eu o defenderia
até do meu pai se ele tentasse machuca-lo”,
tive vontade de chorar, sinceramente. Ele que no começo do ano zoava com
o
colega, agora estava defendendo-o de uma maneira tão bonita. Expliquei
que isso
não seria necessário, mas que eu me orgulhava muito dele.
Muitas vezes
pensamos
que não falando sobre o preconceito ou sobre assuntos “mais sérios” com
as
crianças estamos fazendo o certo, mas está claro que não. Não é como
educadora
que digo isso, as crianças devem entender
o que isso é errado e de uma maneira real, a intolerância está presente
nas salas de aula, nos parques, em todos os lugares e enquanto nós
resolvemos
não falar que é errado, existem pessoas que os ensinam a ser
intolerantes,
porque eles também foram ensinados assim, é um ciclo sem fim. Ser ativo
na luta
social não se trata apenas de sair nas ruas com cartazes condenando quem
é
intolerante, ser ativo é tirar 10 minutos do nosso precioso tempo para
explicar, ensinar e falar sobre as diferenças de qualquer gênero. É
falar que intolerância
mata. Nós podemos fazer diferente, não precisa compartilhar 300 fotos de
um
transexual em uma cruz na parada gay, use esse tempo pra discutir sobre
ideias
e ideais. Política e religião se discutem sim. Preconceito existe sim.
Intolerância
mata sim. Não sejamos gado de nossa própria rotina.
“O que me
preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos
sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons.” -
Martin Luther
King
- Kelly Maria